O bambu é maravilhoso, porém…

Texto escrito por Hans J. Kleine

Há mais de 1.600 espécies de bambu pelo mundo e cada uma tem as suas próprias características e usos, criando milhares de aplicações. No Brasil ainda estamos aprendendo a usar esta versátil e maravilhosa planta de modo mais efetivo. O interesse no assunto tem aumentado muito desde o início deste século, aproveitando as facilidades oferecidas pela Internet. Isto é ótimo, pois acelera o aprendizado e possibilita o acesso rápido a informações vindas de qualquer local do planeta. Porém, infelizmente os mesmos canais que trazem os bons conhecimentos, trazem também informações erradas, meias verdades, mitos e até fraudes, que atrapalham o aprendizado. Ninguém gosta de informações falsas, que geram desconfiança e falta de credibilidade, mas é comum encontrar informações incorretas no mundo do bambu.

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Outro caso de troca de nomes é o caso do “bambu de jardim”, uma espécie de pequeno porte, usada em paisagismo, conhecida como Drepanostachyum falcatum e é erroneamente chamada de Bambusa gracilis em muitas floriculturas.

Também há troca de nomes de espécies de bambu, como o Dendrocalamus asper, que em nosso país é muitas vezes chamado de Dendrocalamus giganteus.

Há também determinados erros comuns de ortografia, como “bambú”, ao invés de “bambu”, “bambual” e “bambusal”, ao invés de “bambuzal” ou ainda “bambuseto” e “bambuseiro”, ao invés de “bambuzeto” e “bambuzeiro”.

Entre os erros mais comuns, cometidos de forma bem intencionada, são aqueles que pretendem melhorar a imagem do bambu perante a sociedade, atribuindo a ele propriedades que ele não tem. São alguns mitos tão repetidos, que já são tidos como verdadeiros, como por exemplo, os “efeitos antibacterianos” atribuídos a utensílios domésticos feitos de bambu, como tigelas, tábuas de cortar carne, talheres, palitos, entre outros.

Também se afirma seguidamente que os plantios de bambu teriam capacidade de absorver dióxido de carbono e de produzir oxigênio em quantidades muito maiores do que qualquer árvore, além de apresentar produtividade maior, em termos de toneladas por hectare e ano, o que não é confirmado pela ciência.

Existe também o mito, de que os cultivos comerciais de bambu no Brasil estão praticamente imunes a pragas e doenças. Isto é apenas uma meia verdade, uma vez que as espécies plantadas geralmente são exóticas e os plantios ainda não são de larga escala, o que pode justificar a baixa incidência de inimigos naturais até o momento. Nada garante, porém, que assim permanecerá no futuro. Embora de maneira geral os bambus sejam plantas resistentes e resilientes, fazem parte de ecossistemas e interagem com o ambiente ao seu redor, inclusive predadores e parasitas. Com os avanços dos cultivos comerciais é possível que se venha a observar a ocorrência de pragas e doenças, e devemos estar atentos para compreender e manejar essas interações de forma consciente.

Existe outros mitos relacionados aos métodos de preservação dos bambus, que evitam a sua degradação por microorganismos, fungos e insetos. Porém o assunto é muito amplo. Sendo assim, apenas dois dos mais difundidos mitos serão abordados como exemplo: o da época ideal de colheita e o da eficácia de certos métodos naturais de preservação. O mito da época ideal de corte das varas em nosso país consiste na indicação dos meses sem a letra “r” (maio, junho, julho e agosto) e da fase da lua minguante destes meses. É, portanto, uma severa restrição, baseada infelizmente em meias verdades, que não leva em consideração as diferenças marcantes entre as espécies alastrantes e as entouceirntes, que brotam e se desenvolvem em épocas diferentes do ano, nem a diferença existente entre os açúcares e o amido, que são as duas substâncias responsáveis pela degradação das varas de bambu. Os açúcares são produzidos nas folhas pela fotossíntese e ficam dissolvidos na seiva, sendo transportados até os locais de crescimento da planta, que são os rizomas, os novos brotos e as novas folhas. Os açúcares excedentes são transformados em grãos de amido sólido, que são depositados, como uma reserva energética, em células parenquimáticas dos colmos e dos rizomas. Portanto, o amido fica fixado nestes locais e não poderia sofrer a influência das fases da lua, diferente dos açúcares, que se movimentam livremente junto com a seiva.  Quanto à eficácia de alguns métodos naturais de preservação, existem os mitos sobre alguns tratamentos muito simples, como a imersão prolongada dos colmos em um lago, rio ou em água do mar; o cozimento dos colmos no vapor d’água ou em óleo diesel; a aplicação de óleo de neem e várias outras receitas empíricas, que eventualmente podem até aumentar um pouco a durabilidade do bambu, porém comprovadamente não oferecem nenhuma garantia de preservação no médio e longo prazo. Isso prejudica o consumidor, que está adquirindo um produto tido como tratado, sem que o tratamento seja realmente eficaz.

Outra fonte de informações falsas é um texto de fundo moral que circula na Internet com o título de “As sete verdades do bambu”, que procura extrair das características da planta uma analogia para formular regras de conduta para as pessoas. Duas das “verdades” são absolutamente falsas: a segunda afirma que “o bambu cria raízes profundas – o tanto que cresce para cima, cresce para baixo” e a quarta, que “o bambu não se permite criar galhos”. Sabemos que os rizomas dos bambus são superficiais e raramente ultrapassam a profundidade de meio metro, mesmo em espécies de grande porte, com altura de 20 a 30 metros. Além disso, quase todas as espécies produzem galhos, também chamados de ramos laterais. Porém, como o texto é repetido à exaustão e repassado a milhares de pessoas, elas acabam sendo mal informadas sobre os bambus.

Entre os erros cometidos de forma mal intencionada, o mais conhecido é a fraude das falsas “fibras têxteis de bambu” ou dos “tecidos de bambu”, na propaganda de algumas marcas de camisetas, meias, roupa de cama, mesa e banho etc.

Poucas pessoas sabem que um fio têxtil é formado por fibras, naturais ou sintéticas, que se entrelaçam e para isso precisam ter um comprimento mínimo de 30 milímetros. Algumas fibras vegetais são longas e têm facilidade de formar um fio, como o algodão, o rami e o cânhamo, porém as fibras de bambu são muito curtas, de apenas 3 a 4 mm em média. Com elas é possível fazer papéis de ótima qualidade, mas não fios têxteis. Como então surge a fraude? Existe um processo químico que transforma qualquer fibra vegetal em uma massa plástica parecida com o nylon, conhecida como rayon ou viscose. O processo é potencialmente poluidor, porque usa um reagente altamente tóxico e volátil, o dissulfeto de carbono.  A partir da viscose são produzidos fios têxteis sintéticos e na China a matéria-prima para fabricar a viscose é o bambu. Então algumas empresas, que fabricam tecidos com viscose de bambu, fazem propaganda enganosa, dizendo que se trata de “fibras de bambu”, porque o bambu tem fama de ser um produto natural, sustentável e ecológico, o que aumenta o interesse dos consumidores e resulta em preços mais lucrativos. Desde 2009 estas empresas estão proibidas de usar o nome “fibra de bambu” nos Estados Unidos, uma vez que a Federal Trade Commission concluiu que se trata de uma fraude. No Brasil e muitos outros países a legislação exige que os fabricantes de tecidos informem, através de uma etiqueta lavável, o nome e a proporção das fibras têxteis usadas. Para isso existe uma norma, que define o nome de todas as fibras em uso no mercado e nela não consta a “fibra de bambu”. Com isso fica fácil desmascarar a fraude, porque basta verificar na etiqueta que se trata de viscose, embora na propaganda apareça em letras grandes a falsa “fibra de bambu”.

Os exemplos negativos citados e outros tantos que circulam por aí deveriam ser conhecidos de todos os bambuzeiros. É preciso desmistificar e corrigir, se queremos preservar a credibilidade. Assim os bambus ganham mais aceitação na sociedade e podem ocupar o lugar de destaque que merecem.

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