Relatos da Expedição Foz do Iguaçu 2020

Por Julia Zappelini e Thiago S. Ornellas

Em meados do mês de janeiro de 2020, nós partimos em expedição à Foz do Iguaçu, no estado do Paraná. E em seguida, descemos pelo oeste de Santa Catarina até o Rio Grande do Sul, retornando à Florianópolis depois de uma semana na estrada e cerca de 2500 km rodados.

Em Foz do Iguaçu, estivemos no Parque das Aves, um parque particular dedicado à conservação de aves da Mata Atlântica. O parque vem dedicando-se a esse nobre trabalho há mais de 25 anos, cada vez mais focado na preservação da nossa Mata Atlântica. E como já sabemos, este bioma é um dos importantes centros de biodiversidade do mundo, considerado um hotspot de biodiversidade. E é claro que os bambus também colaboram com esta grande diversidade de vida. Na região do Iguaçu, além de vários bambus herbáceos , observamos uma grande diversidade de Chusquea spp., Merostachys spp. e Guadua spp. . Sabe-se da importância ecológica dos bambus na natureza, e para a equipe do Parque da Aves o florescimento iminente de Guauda trinii é um evento ansiosamente esperado. Isso porque a Claravis geoffroyi (conhecida popularmente como Pararu-Espelho), uma pequena pomba criticamente ameaçada de extinção,  é muito associada aos bambus nativos em florescimento. Como há anos que não há registros fotográficos desta ave na região,  esperamos que o florescimento massal de populações de bambus oportunize novamente a observação desta ave.

 

Nós tivemos também a oportunidade de realizar uma apresentação ao grupo  técnico do parque, sobre a diversidade, importância ambiental e potenciais econômicos dos bambus. Além disso, guiados pelo biólogo Wilson Cesar Fernandes, Assessor de Flora do Parque das Aves, nós pudemos visitar diversas áreas de ocorrência de G. chacoensis G. trinii em busca de touceiras em florescimento ou que demonstrassem algum sinal de início de florescimento. Embora G. chacoensis tenha florescido de forma gregária recentemente, em 2008, Wilson e outros guias dos parques da região observaram florescimentos esporádico em alguns colmos da espécie. Já para G. trinii, alguns colmos em  florescimento também foram observados por guias dos parques no Brasil e na Argentina, porém nós não encontramos.

Inflorescências de Guadua chacoensis  e Guadua trinii (Fotos: Wilson C. Fernandes)

No dia 17, seguimos viagem rumo à Ametista do Sul, RS, costeando o oeste dos estados do Paraná e Santa Catarina. Com o “radar” ligado, tínhamos como objetivo observar populações naturais de espécies nativas relatadas para a região, especialmente de Guadua trinii e Guadua chacoensis. Para a nossa infeliz surpresa, percebemos uma paisagem totalmente fragmentada com pequenas manchas de bambus remanescentes, especialmente devido ao rápido avanço da fronteira agrícola no estado do Paraná. Estas observações nos levam a imaginar a magnitude de populações de Guadua nestas regiões, uma vez que a fragmentação é bem espaçada.

Mancha de Guadua chacoensis observada em Cascavel, PR, no Parque Nacional Iguaçu, a beira de uma lavoura de soja (Foto: Julia Zappelini).

Sabendo da exclusão do oeste do estado de SC para as áreas de ocorrência propostas para G. chacoensis e G. trinii, costeamos o Rio Uruguai, divisa entre os estados de RS e SC, buscando populações nativas destas espécies. Porém, infelizmente não tivemos sucesso, observando somente espécies de Chusquea sp. e Merostachys sp.

Estes dois gêneros estão amplamente distribuídos em remanescentes florestais destas regiões, podendo formar estandes dominantes e persistentes em áreas abertas. Conhecido como taquara-lixa, Merostachys skvortzovii é utilizada pelas comunidades indígenas para confecção de cestos e outros utensílios, especialmente devido ao seu entrenó longo e de parede fina. No entanto, apesar de nativa e endêmica dos biomas de ocorrência, M. skvortzovii pode ser controversamente considerada “invasora” por alguns autores devido a sua rápida regeneração em florestas de Araucárias submetidas à ação antrópica.

Chegando em Ametista do Sul, RS, tivemos a oportunidade de conhecer o Museu do Bambu & Cia, idealizado e construído por Carlos Ciprandi. O museu oferece aos seus visitantes uma grande exposição de objetos produzidos com bambu, oriundos de diversas regiões do Brasil e exterior, além de uma completa loja com estes produtos e degustação de brotos e chá de bambu. Ainda, pudemos, também, observar 1 ha de área plantada de Dendrocalamus asper, em Planalto (RS), que serve de matéria-prima para os trabalhos do Ciprandi.

 

Thiago Ornellas, Carlos Ciprandi  e Julia Zappelini no Museu do Bambu e área de cultivo de Dendrocalamus asper da Bambu KaHa

Acompanhados pelo Léo da tribo Kaingang, visitamos a Terra Indígena Nonoai, com o objetivo de observar populações nativas de Guadua trinii, cuja floração está estimada para acontecer nos próximos anos. No entanto, nos surpreendemos com uma única touceira de M. skvortzovii em floração, abrindo caminhos para coleta de material raro para projetos de pesquisa com enfoque evolutivo e de propagação por sementes.

 

Merostachys skvortzovii em floração (Fotos: Thiago S. Ornellas)

No caminho de volta para SC, conhecemos a Reserva do Ser, em Chapecó. O ecohostel construído por Simone e Jandir, ambos associados da BambuSC pela Unidade Regional do Oeste, este é um espaço de conexão com a natureza fundamentados nas bases da permacultura e sustentabilidade. Pudemos observar a bela faixada construída em bambu por Jhoon Vasquez e colaboradores, além da surpreendente touceira de Dendrocalamus asper com 38 brotos à ponto de colheita para alimentação.

Reserva do Ser, Chapecó.

Ao fim desta expedição, pudemos tirar como conclusão que os bambus são plantas que estão sempre incluídas na vida cotidiana da população, apesar de muitas vezes serem generalizados como ‘taquaras’ sem potenciais de usos nobres, e algumas vezes até como ‘inço agrícola’. Assim, muito trabalho de conscientização ainda há de ser feito, a fim de quebrar este paradigma social e demonstrar todo o potencial dos bambus como material nobre e fonte de renda para as famílias.

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