Índios de Santa Catarina querem aprender a plantar bambus nativos

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Esta é talvez a demanda mais inesperada e desafiadora que a BambuSC já recebeu desde a sua fundação, considerando que ainda não existe tecnologia específica de cultivo e manejo das espécies nativas da Mata Atlântica ou mesmo de outros biomas brasileiros. As técnicas tradicionais de propagação aplicáveis às espécies exóticas, pouco resultado apresentaram até agora com espécies nativas.

A demanda chegou à BambuSC na forma de solicitação de mais um curso de treinamento, desta vez para técnicos agrônomos da EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de SC, que detectaram esta necessidade junto aos índios recentemente. O eng. Geraldo Buogo agendou o Curso Teórico e Prático de Cultivo e Manejo para o dia 22 de novembro, que foi então ministrado pelo eng. florestal Thiago Greco a um grupo de 17 técnicos, no Centro de Treinamento da EPAGRI em Florianópolis. Na verdade, a BambuSC tentava há anos conquistar o interesse da EPAGRI para o tema bambu e só havia conseguido até então apresentar uma palestra no 2º Seminário Regional Florestal, a convite da EPAGRI de Curitibanos/SC, em abril de 2012. Quis o destino, que agora os índios nos proporcionassem a grande oportunidade de poder treinar os técnicos da empresa vindos de todas as regiões do estado.

Eles ficaram muito satisfeitos com os conhecimentos adquiridos e todos tinham experiência na prestação de assistência técnica aos índios, em função de um projeto inédito do governo estadual, executado no período de 2002 a 2008, o Projeto de Recuperação Ambiental e de Apoio ao Pequeno Produtor Rural – Microbacias 2. Este projeto tinha o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população rural de baixa renda e também de populações indígenas, atingindo 936 microbacias e 141.743 famílias rurais, das quais 1.850 famílias indígenas (em torno de 7.400 pessoas). O projeto foi executado pela Epagri, com o apoio de outros órgãos do governo estadual (Icepa e Fatma). Segundo um documento publicado pelo órgão (Memória do trabalho com povos indígenas no Projeto Microbacias 2, de autoria de Rose Mary Gerber, 2012) o projeto beneficiou os três povos de índios existentes em Santa Catarina: o Guarani, o Kaingang e o Xokleng, situados respectivamente em reservas nas regiões do Litoral (Imarui, Palhoça, Biguaçu e São Francisco do Sul), do Oeste (Chapecó, Xanxerê, Entre Rios, Ipuaçu, Paial e Seara) e do Alto Vale do Itajaí (José Boiteux, Doutor Pedrinho, Itaiópolis e Vitor Meireles). Apesar das diferenças culturais entre os três povos, as principais demandas apresentadas por eles eram semelhantes: novas fontes de geração de renda, maior segurança alimentar, melhoria das condições de moradia erecuperação dos recursos naturais. Uma das demandas específicas se relaciona com a falta de matéria-prima de bambu, para a confecção de produtos de artesanato, como cestaria, instrumentos musicais e outros objetos do uso diário, que também significam uma fonte de renda para os índios.

Os bambus usados nas citadas regiões são de espécies nativas, cujas reservas, no entanto estão se esgotando aos poucos, colocando em risco uma parte essencial de suas tradições e qualidade de vida. Os bambus exóticos introduzidos pelo homem branco e disponíveis em abundância, são rejeitados pelos índios, por serem inadequados ao uso. Eles tem características dimensionais diferentes, como maior diâmetro e espessura das varas e menor comprimento dos entrenós, além de menor flexibilidade. Os povos indígenas ancestrais não desenvolveram técnicas de cultivo, porque havia muitas terras disponíveis. Quando a reserva local de bambu se esgotava, eles buscavam o recurso em outras áreas e o bambuzal explorado podia se regenerar novamente. Esta prática hoje já não é mais possível, pois os índios remanescentes habitam áreas restritas, com reduzida disponibilidade de recursos naturais, como o bambu.

Cabe agora aos centros de pesquisa analisar todos os fatores que possam ter contribuído para a escassez do bambu nas terras indígenas e também desenvolver as técnicas adequadas de cultivo das espécies mais usadas pelos índios. A BambuSC teve um ganho imediato ao lançar a sua semente dentro da EPAGRI, não apenas através do curso, mas também pela venda de dez exemplares do livro “Bambu: cultivo e manejo“, do próprio eng. Thiago. A leitura dos livros certamente aumentará a motivação já manifestada de diversos participantes, no sentido de recomendar a continuidade deste aprendizado no próximo ano, vindo de encontro ao interesse da BambuSC. Seria muito bom poder levar a todos os técnicos do órgão estes conhecimentos sobre o bambu e não apenas aos que lidam com os índios, já que todos são multiplicadores profissionais, especialmente capacitados para difundir novas tecnologias no meio rural.