por Hans J. Kleine

Embora ele exista desde os tempos em que aqui só havia povos indígenas, o setor produtivo do bambu ainda é relativamente desconhecido no Brasil. Os nativos usavam a matéria-prima para fazer suas casas, cercas, armadilhas, cestos, balaios, arcos e flechas, flautas e outros objetos de adorno ou de uso caseiro. Havia muitas espécies disponíveis, com os mais variados tamanhos, que os índios classificavam como taquari (pequeno), taquara (médio) e taquaruçú (grande). Suas varas eram colhidas na mata virgem, sem necessidade de plantio, porque o bambu é uma gramínea e, portanto uma planta permanente, que tem novas brotações a cada ano. Assim os índios não chegaram a desenvolver o cultivo da planta. Os portugueses, que aqui chegaram em 1500, não conheciam o bambu, mas aprenderam a usá-lo também, aumentando o seu consumo. Eles conheceram também diversas outras espécies de bambu na Ásia, mas não sentiram necessidade de introduzir tais espécies aqui no Brasil.

Assim permaneceu durante três longos séculos, até que a Família Real Portuguesa veio se refugiar no Brasil, em 1808, fugindo da invasão de seu país por parte do exército francês, de Napoleão Bonaparte. Poucos anos depois, a partir de 1814, chegaram as primeiras espécies asiáticas em nosso país, mas curiosamente não por vontade dos portugueses. Acontece que a Família Real, ao chegar aqui, se apercebeu do atraso que reinava em sua colônia. Não havia escolas, indústrias, nem mesmo jornais ou editoras de livros. Tudo era proibido e o país apenas produzia madeiras, cana-de-açúcar, gado e minerais preciosos, que eram enviados a Portugal. Era preciso mudar isso rapidamente, já que a Família Real não sabia por quanto tempo deveria permanecer aqui.  A primeira medida foi a abertura dos portos, permitindo o comércio com outros países. Em seguida foi autorizada a primeira imigração de estrangeiros, que casualmente eram 300 famílias de chineses, que receberam a missão de implantar o cultivo do chá na cidade do Rio de Janeiro. Junto com os imigrantes vieram muitas plantas típicas de sua terra e também as primeiras mudas de bambu de origem asiática. Elas se adaptaram muito bem e logo os portugueses também começaram a plantar estas espécies asiáticas, de modo que em poucas décadas elas já estavam difundidas no país inteiro, ao contrário do chá, que não prosperou em nosso clima.

Poucas pessoas sabem que existem mais de mil e quinhentas espécies diferentes de bambu no mundo, sendo mais de duzentas nativas do Brasil. Porém, a grande diferença entre as espécies nativas e as asiáticas está no fato de que a maioria das nativas ainda não está domesticada, isto é, essas espécies só crescem em matas nativas e não podem ser plantadas fora desse ambiente natural. Por isso a chegada das espécies asiáticas foi um sucesso tão grande, porque elas podem ser plantadas nos sítios e nas fazendas, sendo pouco exigentes quanto ao tipo de solo.

            Logo o bambu fazia parte do cenário, servindo para variadas aplicações na agricultura e no dia-a-dia da população rural. No meio urbano era mais raro encontrar produtos feitos de bambu e também ainda não havia indústrias que pudessem aproveitar a matéria-prima. A partir de 1850 surgiram as primeiras fábricas de celulose e papel no Brasil, que usaram justamente o bambu como matéria-prima, em pequenas unidades nos estados de SP, RJ e RS, por falta de florestas homogêneas como as de pinheiros que alimentavam as fábricas de papel no Hemisfério Norte. Mas, como os plantios eram bastante dispersos, eles foram incapazes de suprir a crescente demanda de papel, que era atendida principalmente pela importação de celulose.

Em 1908 começou a imigração japonesa no Brasil, que resultou na introdução de outras espécies asiáticas de bambu, típicas de clima frio e de hábito alastrante, como as do gênero Phyllostachys. As principais são conhecidas pelo seu nome comum no Japão, como mossô, madake e hachiku, além da cana-da-índia, muito usada para móveis e caniços. Na mesma época o eucalipto foi introduzido em nosso país, usado para dormentes das estradas de ferro e para postes de energia elétrica e de telegrafia. Ele também começou a ser usado na fabricação de papel, o que reduziu drasticamente o uso do bambu. Nos anos 60 o governo do estado de São Paulo decidiu estudar diversas novas espécies de bambu para a produção de papel, criando uma coleção de mais de 50 espécies tropicais no IAC – Instituto Agronômico da Campinas. Essa coleção permitiu as primeiras pesquisas científicas sobre bambu no Brasil. Porém, pouco desse conhecimento foi aproveitado pelas fábricas de celulose e papel situadas nas Regiões Sudeste e Sul. Porém, na Região Nordeste havia duas fábricas de papel do Grupo João Santos, localizadas em Pernambuco e no Maranhão, que usavam as fibras de palmeiras como matéria-prima para a fabricação de sacos de cimento. Como a qualidade do papel deixava a desejar, o grupo decidiu fazer um teste com bambu, com a ajuda de técnicos do IAC. A substituição das palmeiras pelo bambu melhorou muito a qualidade do papel e resultou no plantio de áreas em larga escala, a partir dos anos 80, chegando a um total de 50 mil hectares em três décadas. A fábrica do Maranhão, no entanto, foi desativada em 2006 e a de Pernambuco agora usa papel reciclado no lugar do bambu, por motivos econômicos e não de qualidade.  Os grandes plantios existentes na Região Nordeste hoje são usados por várias indústrias como biomassa na geração de energia.                               

            Um novo interesse no uso do bambu surgiu no mundo todo na virada para o Século XXI, em função dos enormes avanços obtidos pela China na industrialização de sua cadeia produtiva do bambu, que resultaram em grandes exportações de produtos a partir dos anos 80. Os principais produtos eram pisos laminados, esquadrias, móveis, utensílios domésticos, objetos de decoração, carvão ativado e conservas de brotos de bambu. O governo chinês também passou a oferecer bolsas de estudo para estrangeiros, geralmente de curta duração, sobre os mais variados temas da cadeia produtiva do bambu, o que aumentou muito o interesse principalmente nos países em desenvolvimento, da Ásia, da África e da América Latina. Muitos brasileiros se beneficiaram dessas bolsas e acabaram se tornando divulgadores dos múltiplos usos do bambu, na esperança de implantar uma diversificada cadeia produtiva no Brasil. Também nessa época a Internet se estabeleceu como meio de comunicação versátil, facilitando a divulgação de novas tecnologias e permitindo a formação de grupos de discussão sobre qualquer assunto. Um dos primeiros e mais influentes grupos de discussão do bambu no Brasil foi criado no ano 2000, ancorado no site www.bambubrasileiro.com e que chegou a reunir mais de 1.500 simpatizantes. O uso generalizado de computadores permitiu a criação de muitos outros grupos, agregando novos interessados na troca de informações via e-mail.

Em seguida apareceram as primeiras entidades representativas destas comunidades virtuais com foco no bambu. A pioneira, em 2004, foi a Bambuzal Bahia e um ano depois foi fundada a Associação Catarinense do Bambu – BambuSC. Seus membros estudam e divulgam tecnologias do bambu, ampliando o universo de pessoas capacitadas a desenvolver diversos papéis dentro da cadeia produtiva. Iniciativas semelhantes, porém informais, surgiram também em outros estados, como em RS, PR, SP e GO. Ainda em 2005 surgiu a primeira entidade representativa em nível nacional, a Rede Brasileira do Bambu (RBB), com o objetivo principal de congregar esforços de pesquisa básica e aplicada à cadeia produtiva do bambu no Brasil. Ela conseguiu patrocinar três Seminários Nacionais do Bambu, que foram realizados em Brasília (2006), Rio Branco (2010) e Goiânia (2015). Além disso, a RBB motivou o Governo Federal (CNPq) a emitir editais de pesquisa sobre bambu em 2008 e 2013, que envolveram um grande número de universidades em todas as regiões do país. Outro feito importante foi obter junto à ABNT a elaboração de uma norma técnica referente à construção de estruturas de bambu, que já passou por consulta pública e deverá ser publicada em breve. Apesar destes bons resultados, obtidos através de atividades pontuais, a entidade não tem registro formal, nem mantém atividades rotineiras.

A aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei Federal 12.484, que instituiu a Política Nacional de Incentivo ao Manejo Sustentado e ao Cultivo do Bambu e a assinatura do Acordo Bilateral Brasil-China sobre tecnologias do bambu, articulado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTIC), foram dois marcos importantes ocorridos em 2011. O acordo com a China permitiu o intercâmbio entre técnicos dos dois países, através de missões oficiais e a realização de cursos de treinamento ao longo de cinco anos. O mesmo ministério induziu alguns empresários do setor bambuzeiro a criar uma entidade representativa no nível federal. Assim surgiu, em 2013, a Associação Brasileira dos Produtores de Bambu – Aprobambu. Ela promoveu diversos eventos públicos de divulgação da cultura do bambu e conseguiu articular o envolvimento da classe política em diversos estados e municípios, bem como alguns ministérios e até algumas entidades estrangeiras. Ela também assegurou a sua participação em três Câmaras Setoriais do Ministério da Agricultura, que são as de Fibras Naturais, de Florestas Plantadas e de Hortaliças. Embora ela tenha registro oficial, a entidade também não deslanchou e hoje o número de associados se restringe à diretoria. Outras conquistas importantes para o setor ocorreram entre 2016 e 2018, com a implantação de dois centros tecnológicos de bambu, um em Rio Branco/AC e outro em Itapeva/SP, ambos financiados pelo MCTIC, depois a filiação do Brasil na INBAR – Rede Internacional de Bambu e Ratã (2017) e também a fundação da Associação Brasileira do Bambu – BambuBR (2018). Esta nova entidade tem registro formal e representa variados segmentos da cadeia produtiva, como artesãos, profissionais liberais, industriais, fornecedores de equipamentos e insumos, além de pesquisadores e produtores rurais.

 As diversas entidades já citadas foram eficazes em despertar o interesse do público. Isso pode ser medido, por exemplo, por um grupo de mais de nove mil simpatizantes do país inteiro, que participam da Rede Social do Bambu, em sua página no Facebook, na qual eles trocam informações e anunciam novos produtos, cursos e eventos. Outro indicador deste sucesso são as publicações de artigos técnicos, livros e teses de mestrado ou doutorado que apareceram com frequência crescente ao longo de duas décadas. Em paralelo a esses esforços na formação de recursos humanos, também está sendo ampliada a área plantada, em vários estados, principalmente das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Com isso aumenta a oferta de matéria-prima e de produtos e serviços ligados à cadeia produtiva, embora ainda não existam estatísticas sobre as quantidades comercializadas ou a variação dos preços praticados pelo mercado, nem o total de empregos gerados.

Para desenvolver o setor produtivo do bambu, muito ainda resta por fazer, lembrando, porém que o Brasil conta com condições privilegiadas do clima e também com a maior disponibilidade de terras agricultáveis do planeta. Além disso, temos um amplo mercado interno e muitas possibilidades de exportar no futuro, uma vez que o bambu está sendo percebido no mundo todo como um componente importante da bioeconomia, por seu rápido crescimento e pelos impactos ambientais positivos. Isso vale tanto para produtos artesanais e de elevado valor agregado, como por exemplo, conservas de brotos comestíveis, instrumentos musicais, bicicletas e materiais de decoração, quanto para os de larga escala e baixo valor agregado, como biomassa para energia, fabricação de celulose e papel e produtos industrializados, na forma de palitos, estacas, laminados, chapas e vigas. O segmento mais promissor em curto prazo é o da biomassa para energia, que está recebendo vultosos investimentos em plantios de larga escala, sobretudo na Região Centro-Oeste. Existe também o enorme desafio de explorar a maior floresta natural de bambu do mundo, situada na divisa entre a Bolívia, o Peru e o Estado do Acre, estimada em nove milhões de hectares, sendo a metade em território brasileiro. Ela ainda permanece praticamente intocada, por falta de estradas que possam ser usadas em qualquer época do ano, numa região de muitas chuvas. Existe também uma grande expectativa de uso do bambu na construção civil e também em projetos de habitação social, a partir da publicação da norma da ABNT já mencionada. E para concluir, foi criada neste ano de 2020 a Frente Parlamentar do Bambu, com adesão de mais de duzentos deputados e senadores. Ela está articulando junto ao Ministério da Agricultura a regulamentação da Lei Federal 12.484, acima citada. Com isso haverá um novo estímulo, não apenas para os produtores rurais, que poderão contar com financiamento e assistência técnica para os seus plantios, mas também para os demais segmentos da cadeia produtiva. Tudo indica que estamos no rumo certo para sermos, quem sabe já em duas ou três décadas, um grande produtor mundial de bambu.

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